quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ida dos bispos brasileiros ao Concílio Vaticano II e primeira Missa num avião



[09-10 outubro 1962]

Era já noite, lá pelas 21 horas do dia 9 do corrente, quando o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, era invadido por mais de 100 prelados da Santa Igreja, Arcebispos e Bispos, mineiros e paulistas, gaúchos e goianos, matogrossenses e paranaenses, cariocas e capixabas, Padres Conciliares do Centro e Sul do País, a fim de seguirem para Roma, chamados pelo Papa, para o Segundo Concílio Ecumênico do Vaticano.
Muitos outros Bispos, preferindo a via marítima, já aportavam em terra da Europa ou para lá se encaminhavam.

Aeronave da Panair Cortesia do Governo brasileiro para a viagem dos Padres conciliares brasileiros 

Para nós outros, mais ousados talvez, lá estava, na pista do Galeão, o possante DC-8 a jato, da Panair, prefixo PDS, gentilmente oferecido pelo Presidente da República Dr. João Goulart, em homenagem ao grande Concílio Ecumênico. Aliás, representando o Sr. Presidente, lá estava, também, no Aeroporto, o Cel. Albino da Silva, Chefe da Casa Militar da Presidência da República. E, mais que tudo, como garantia da viagem, ilustre passageiro nos acompanhava. Era o próprio Diretor da Panair do Brasil Dr. Paulo Sampaio.
De súbito, ouviu-se o alto-falante: “Senhores passageiros da Panair, com destino a Roma, escala em Recife e Lisboa, por favor, façam suas despedidas e se apresentem ao portão de embarque”.

Eram já quase 22 horas quando decolava e roncava, céus afora, o enorme pássaro de aço, a caminho da Cidade Eterna. Entoamos, então, a “Salve Regina”. Viajávamos a 10.000 metros de altura, numa velocidade de quase 1000 quilômetros a hora. Faltavam 15 minutos para meia-noite, quando aterrissamos no Aeroporto dos Guararapes, na cidade do Recife. Imensa multidão se aglomerava à nossa espera. Eram velhos conhecidos e amigos. Eram padres e seminaristas, freiras e numerosas Irmãs de Caridade. Eram, sobretudo, outros valentes colegas no Episcopado que iriam juntar-se à nossa caravana.

Após carinhosa saudação aos Bispos por parte do Chefe da Casa Civil Dr. Hugo de Faria, e do agradecimento em nosso nome feito por Dom Hélder Câmara, de novo nos acomodávamos no bojo do avião e rompemos as nuvens carregadas. Lá em cima, brilhavam as estrelas e a lua se afogava no mar.
Às 4 horas, mais ou menos (hora do Brasil), já o dia clareava para nós. Atravessando o Atlântico em tão grandes alturas, eu me lembrava de quatro séculos passados, quando os descobridores cortavam os sete mares! Que diferença, meu Deus! A Europa agora estava tão perto. Olhamos para as bandas do Oriente e nos assustamos com uma nuvem escura e medonha que subia… Figuramo-nos às cenas de Lusíadas: “Tão temerosa vinha e carregada, que pos nos corações um grande medo…”.

Felizmente, porém, o gigante a jato se atirou sereno, roncando forte, sem receios… e o novo Adamastor se perdeu distante no caminho. Pela janela da aeronave entrava de cheio a luz solar, acordando irreverente Suas Excelências, que dormiam a sono solto.

Dom José de Medeiros Delgado, então Arcebispo do Maranhão Rezou, por indulto de João XXIII, a primeira missa num avião 


Foi, então, que soou a voz de Dom Hélder Câmara: “Vamos ter a Santa Missa a bordo do avião. É uma concessão especial do Santo Padre. É a primeira vez que se celebra em tão grande altura”.
De fato, pouco tempo depois, o Arcebispo do Maranhão Dom José Delgado iniciava o Santo Sacrifício da Missa, acompanhado pelos 120 Bispos brasileiros.

Viajávamos a 11.500 metros sobre o Oceano. Era emociante ver aqueles Prelados todos se acotovelando no bojo do avião, para participarem, todos, da Sagrada Eucaristia. Ao dar a Ação de Graças, lembramo-nos de Frei Henrique de Coimbra quando, séculos passados, após longos meses no dorso do Oceano, ia esbarrar no ilhéu da Coroa Vermelha, para a Primeira Missa no Brasil. Graças, meu Deus! Aqui estão os mais de 100 Bispos trazendo a Portugal, numa mensagem de Fé, a mais bela resposta de uma nação cristã, conquistada à sombra da Cruz.

Às 10h30 (hora da Europa), descíamos em Lisboa, debaixo de uma chuva persistente. Demora curta, para tomarmos logo o destino de Roma. Mais três horas de viagem e furamos a massa de nuvens para aterrizar no Aeroporto “Fiumicino” da Cidade Eterna.

Para onde iremos? A multidão de Bispos da Terra da Virgem de Aparecida tinha uma casa de portas abertas, melhor que o mais fino Hotel de Roma, com um apartamento para cada Bispo, e tudo gratuito é tudo carinhosamente preparado. É um belo edifício, pertinho do Pio Brasileiro. É a “Domus Mariae”. É a Casa de Nossa Senhora, nossa Mãe e Padroeira.
+ Belquior Joaquim da Silva Neto, C.M
Bispo titular de Cremma e Coadjutor de Luz

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